domingo, 4 de setembro de 2011

Cracolândia recifense

A reportagem sobre o comércio de drogas no Recife Antigo, exibida na última sexta-feira no Jornal Nacional da Rede Globo, pode ser tomada como uma das amostras mais cristalinas do que representa o jornalismo apressado e carente de contextualização. A matéria, com menos de três minutos, serve bem como fonte de análise para eventuais pesquisadores de comunicação que se debruçam sobre nosso contemporâneo jornalismo fast-food. Embalado para o Homer Simpson que repousa no sofá.

Desde a escolha dos enquadramentos, fica explícita a intenção de carimbar a região do Recife Antigo como uma ilha de toxicômanos, apenas à espera da higienização e da mão pesada da repressão policial. Para onde foram todos os bares existentes no local, com mesas lotadas nas calçadas? Onde está a Rua do Bom Jesus, ponto de uma feira de artesanato aos domingos? Onde está a Praça do Arsenal? Onde está a parcela majoritária dos frequentadores daquela área, composta por pessoas sem relação alguma com qualquer tipo de ilegalidade?

Peço licença para tornar esse texto ainda mais pessoal. Já toquei mais de uma vez em bares próximos da Rua da Moeda, e em momento algum imaginei que enquanto estivesse no meio de uma das músicas, uma horda de traficantes e assaltantes fosse invadir o bar e partir pra cima de todos nós. A própria rua recebe no fim do ano um palco da Prefeitura do Recife, onde se apresentam bandas de diversos estilos. Um cenário que destoa da Cracolândia recifense exibida em rede nacional.

Assim como os que habitualmente vão ao Recife Antigo, a polícia sabe que esse é um problema de vários anos, mas restrito a pontos críticos. Fica a questão: ela faz vista grossa ou é incapaz? A outra ponta: se há pessoas vendendo drogas nas ruas de um bairro turístico da cidade, há pessoas comprando. E não seria leviano afirmar que boa parte dos consumidores usa roupas de grife.

No fim das contas, a reportagem da Globo, teoricamente bem-intencionada, acaba morrendo no nascedouro. Repito: o vídeo exibido não chega a concluir três minutos. Esbarra na falta de profundidade, não avança na discussão, e mais estigmatiza do que ajuda. Afinal, o bairro merece sim um ambiente mais agradável. Mas da forma como foi apresentada, a reportagem apenas serve para chocar uma classe média eternamente aterrorizada, cada vez mais isolada em seus apartamentos e em seu mundo virtual/surreal.

Talvez seja melhor ir para as boates da Zona Sul, onde não circula qualquer tipo de droga ilícita...

Ôpa!
S.

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