terça-feira, 19 de junho de 2012

Erundina e o alerta

"Erundina desiste de compor chapa petista em São Paulo" (link)

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A Erundina é foda, concordemos nesse ponto. 

Mas peço licença para não tratar o episódio sob a ótica política. Muito menos sob a luz (treva?) do moralismo barato. Para mim, a decisão da Erundina é uma espécie de puxão de orelhas em todos nós, entorpecidos por um mundo cada dia mais cínico. É como se, do alto de sua maturidade e invejável biografia, ela nos alertasse: "Não esqueçam do mundo real!", "Questionem suas certezas!". Aceitamos automaticamente o bombardeio de situações que nos incomodam, travestidas com o epíteto de "normalidade". Somos empurrados a dar tapinhas nas costas de quem nos envergonha, não somente no mundo político, mas fora dele também. E isso é uma bosta. Dizem que isso é "do jogo". Faz parte. É pragmatismo. O sistema é assim mesmo. Bem, pra mim continua sendo uma bosta. Não tem que ser parte do jogo. Pelo menos, não deveria ser. 

Os princípios nunca foram tão negociáveis. Podem ser trocados por alguns minutos na TV, ou por um regabofe qualquer. Estamos nos tornando mesquinhos, minúsculos. O importante é ser aceito, e a única coisa que nos separa de um produto é a etiqueta com o código de barras. O ato da Erundina é um soco no cinismo e na hipocrisia que impera em nossos dias, quase com a intenção de nos acordar. Empresas de petróleo (e desmatadores) falam em preservação do meio ambiente. Jogadores de futebol falam em amor à camisa. Banqueiros falam em desenvolvimento social. Coronéis falam sobre o valor da democracia. Fanáticos religiosos falam em honradez. Aí vem a Erundina e diz: "Parem de falar merda!". Vale tudo pelo reconhecimento, pela glória? Dona Erundina nos puxa, para que voltemos a encostar os pés no chão. Talvez tenha sido a desistência mais significativa dos últimos anos.
S.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Estagnação

A miséria da cultura
por Vladimir Safatle

Aqueles interessados na produção cultural brasileira devem ter percebido uma equação inusitada. Enquanto a última década foi marcada por um crescimento econômico real e pelo advento de uma dita nova classe média, a cultura brasileira parece em ritmo de estagnação. Interessante notar que os momentos de crescimento econômico brasileiro foram acompanhados pela consolidação da produção cultural.

O melhor exemplo foi o boom de crescimento do fim dos anos 1950 e começo dos anos 1960. Ele foi acompanhado da maturidade de nossa melhor produção literária (Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto), pelo melhor de nossas artes visuais (Hélio Oiticica, Lygia Clark e o grupo Neoconcreto), pela bossa nova, pelas experiências teatrais de vanguarda e pelo aparecimento do cinema novo. Nada sequer parecido foi identificado nesta última década.

Não é possível colocar a conta da improdutividade em alguma espécie de espírito geral de época. Vemos vários exemplos de países que conseguiram nesses últimos anos apresentar produção cultural significativa. A Argentina e seu cinema de alta qualidade, que vem desde as produções de Lucrecia Martel, é um exemplo paradigmático. Poderíamos lembrar ainda do Chile e de sua literatura (Roberto Bolaño foi sem dúvida um dos grandes escritores do começo do século). Mesmo a China com seu crescimento tem apresentado bons artistas plásticos, além de uma impressionante quantidade de intérpretes relevantes de música erudita.

Várias são as razões que podemos levantar para esta miséria da cultura brasileira, com suas honrosas exceções. Podemos começar pensando sobre o cinema nacional. Desde Cidade de Deus (Fernando Meirelles, 2002), o cinema nacional parece ter se acomodado à exposição da vida social, a partir das lentes da violência espetacular e da visualidade de alto impacto herdeira da estilização publicitária. Uma via coroada com Tropa de Elite e que parece expor como o desejo de constituir uma indústria do entretenimento transformou-se na essência da produção cultural nacional.

Continua aqui.
S.