domingo, 7 de setembro de 2008

O surrealismo da vida real

Caminhos da fome


Vidas invisíveis

O Jornal do Commercio trouxe essa semana duas matérias especiais que honram o Jornalismo. Ambas com histórias comoventes de seres humanos que, cada um ao seu próprio modo, vivem como se não vivessem. Vivem como invisíveis. Vivem como se mortos fossem. Pessoas desprovidas de absolutamente tudo, desde um saco de arroz até a dignidade.

O especial Caminhos da fome, alicerçado pelas idéias de Josué de Castro, traça o perfil de moradores de várias cidades do Nordeste que convivem diariamente com o assombro da falta de comida. Já o caderno Vidas invisíveis [disponível para assinantes do JC ou do UOL] trata dos que sofrem com a violência diária e cada vez mais banal - violência que muitas vezes é exercida pelo próprio estado, via polícia. Os dois especiais possuem textos e fotos impecáveis.

As matérias retratam essa espécie de Brasil esquecido, ignorado, condenado ao eterno sofrimento, como se as condições sob as quais essas pessoas sobrevivem fossem um destino imutável, e não consequência de um modelo de sociedade que impõe tragédias diárias para uma parcela da população. É um Brasil que desconhece profundamente qualquer tipo de desenvolvimento, seja ele econômico ou humano. É um Brasil com problemas tão antigos quanto graves. Graves de verdade. Perto deles, nossos "problemas" pequeno-burgueses são apenas patéticos.

Nesse Brasil surreal há crianças que perdem a visão antes de completar o primeiro ano de vida, por causa da fome e da desnutrição. Há também jovens que não podem dormir em casa porque apanham diariamente, ou porque possuem dívidas relacionadas às drogas, pelas quais temem pagar com a vida. Para esse Brasil, quando a morte chega, ela é vista como algo tão corriqueiro como um passeio de bicicleta em um domingo ensolarado.

Esse Brasil é surrealista exatamente por ser Brasil. Como pode um país com uma opulência econômica e uma riqueza humana como o nosso comportar episódios dessa natureza? Como pode um país que celebra safras recordes ano após ano ainda condenar milhões à fome? Como pode um país que destina centenas de bilhões de reais a juros internacionais não investir pesado em políticas sociais? A quem interessa a penúria social que sufoca essas pessoas?

É um Brasil que despreza o bom senso e a razão. É um Brasil surreal.

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