domingo, 3 de outubro de 2010

03.10.2010: Considerações de um votante temeroso

Escrevendo no calor dos resultados. Provavelmente esse post receberá atualizações.

Eleição atípica essa. É impressionante como o gasto em pesquisas eleitorais é dinheiro jogado fora. Melhor para os donos dos institutos de pesquisa, que devem estar comemorando bastante.

Fica a sensação de que o país não queria o Serra no segundo turno. Ele meio que foi a reboque. No fundo, um 2º turno entre a Dilma e a Marina seria bem mais valioso para o país. O que me corrói por dentro é ter de suportar mais trinta dias de baixaria política - algo em que a turma do Serra e a imprensa que o apóia são especialistas. Não há programas do candidato da direita. Não há projeto a longo prazo para o país. Depois de meses de trocentas "denúncias", o time da mídia e da campanha do Serra notou que o trunfo estava na candidata verde, bem-vista no círculo religioso e bem-recebida pela classe média.

E é aí que a carroça balança. A candidatura da Marina não me ganhou. E simplesmente porque é uma candidatura esquizofrênica. Como assim? Ao mesmo tempo em que traz um discurso convenientemente moderno (ambientalismo, desenvolvimento sustentável - e o que essas coisas realmente significam é um mistério), pude perceber uma adesão forte da ala religiosa, parcela de eleitores que não se encaixam exatamente no perfil progressista. Para completar, o irritante discurso carola e monotemático. Sendo um pouco rude, toda vez que a Marina fala, eu só ouço as palavras passarinho, água e árvore. E convenhamos, isso é muito pouco para quem deseja presidir um país como o nosso.

O resultado desse domingo me deixou um pouco amedrontado. Não que eu ache que a Dilma merecia uma vitória acachapante, apesar de, na minha humilde opinião, ela representar a continuidade de um projeto político elogiável. Reconheço que o governo Lula talvez tenha cedido demais nas alianças. Mas crucificar o atual governo somente por esse ponto é purismo em excesso. E esse purismo só beneficia a direita, o que ficou claro no resultado exibido pelas apurações de hoje. Aos poucos, o pragmatismo acaba mostrando serviço. Não à toa, o Arthur Virgílio, Heráclito Fortes, Tasso Jereissati, Marco Maciel, entre outros, não conseguiram renovar o mandato. Quem sabe na próxima eleição não voam também gente como o Sarney, a Kátia Abreu, o Jarbas, para dar lugar a uma direita inteligente e propositiva (sim, ela existe, é só ler os textos do Cláudio Lembo). O meu medo recai sobre uma temerosa ascensão de um extremismo religioso na política brasileira. Aquele mesmo extremismo fascista da direita norte-americana, tão criticado pela classe-média dita esclarecida. E no dia que as eleições desse país passarem a ser decididas por influência da religião, eu viro um ateu militante. Antevejo o abandono do discurso serrista sobre a corrupção da Erenice, sobre o passado "terrorista" da Dilma, sobre o "autoritarismo" do PT. Imagino que o plano agora é acusar a candidata de não ser cristã (como se isso fosse um demérito), de ser favorável à legalização do aborto, ao casamento homossexual, tópicos esses que, em um país avançado, seriam discutidos às claras, de maneira racional e respeitosa. É o embate político reduzido a uma questão de pudicícia.

Muita coisa está em jogo nessa eleição. Ainda que muitos não percebam, o país hoje está em um outro patamar da política mundial. Votar na Dilma nesse 2º turno é uma questão de suprema importância. É um voto (no sentido de esperança que a palavra carrega) pela soberania e pelo aprofundamento da nossa democracia. Se eu não declarei o apoio anteriormente, foi por pura discrição, e por entender que o voto do primeiro turno é um voto mais ideológico. Agora é esperar pra ver se a Marina vai demonstrar a grandeza de apoiar um projeto político do qual ela se alimentou durante toda a vida, ou se vai permitir que o rancor esmague a sua própria inteligência.
S.

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