terça-feira, 21 de setembro de 2010

Entre o folclore e a ameaça

Eleição vai, eleição vem, os tipos folclóricos estão sempre lá. Uns para chamar atenção, outros para polemizar, e mais um punhado deles só para aparecer na TV mesmo. Normalmente não costumam causar nenhuma reação que não seja a indiferença do eleitor/telespectador. Mas aí vem o Tiririca com seu rosto conhecido, um slogan grudento e a perspectiva de uma votação gigantesca. Não demorou para que as vozes da retidão se levantassem para acusar o cearense de "esculhambar a democracia".

Confesso que, a priori, a aparição do Tiririca não me chamou a atenção. Mas, ora, o que é o Francisco, quer dizer, o Tiririca, senão uma prova do próprio funcionamento da democracia brasileira? A menos que todos os conceitos históricos estejam equivocados, a Democracia, em seu caroço, não é a liberdade de votar em qualquer um e de qualquer um ser candidato? A diferença no caso do humorista é que sua candidatura ultrapassou a mureta do folclore e passou a ameaçar a eleição de postulantes ditos "sérios".

Se algo na campanha do Tiririca chama a atenção, é a sinceridade (ainda que galhofeira) contida no discurso em que ele afirma que não tem ideia do que um deputado faz, e que vai descobrir caso seja eleito (o que é bem provável). Em meio à tanta dissimulação e hipocrisia, a piada tem até um verniz de pureza.

Se eu votaria no Tiririca? De jeito algum. Nem amarrado. E é aí que reside a liberdade democrática. Mas a eleição do cara não é um problema da democracia, como alguns dão a entender. É um problema tanto de consciência política quanto do sistema eleitoral, que vai permitir a eleição de aventureiros sem-voto no vácuo dos votos dele. E esses pontos, somente amadurecimento civil e reforma política podem corrigir.

De resto, deixo um texto do xará Sergio Lirio, que analisa o mesmo fenômeno com muito mais classe e propriedade que meu post.

Tiririca, uma disfunção
Texto de Sergio Lirio

As mulheres só puderam votar no Brasil a partir de 1932. Os negros, de 1934. Os analfabetos, após a Constituição de 1988, que consagrou um princípio básico de qualquer democracia: o direito de votar e ser votado. Lembro dessas datas por causa das reações à candidatura de Tiririca a deputado federal. Segundo pesquisas do Ibope citadas por José Roberto de Toledo em seu blog no Estadão.com, o “palhaço” pode se tornar o deputado federal mais votado por São Paulo em 3 de outubro. Showman acostumado aos holofotes, ele se sai melhor do que a maioria dos zumbis que aparecem no horário eleitoral gratuito. Talvez isso explique seu sucesso.

É possível discutir o “voto Tiririca” sobre vários aspectos. Há quem lembre, não sem razão: por conta do sistema proporcional, uma votação maciça no humorista representará eleger outros tantos de seu partido. Candidatos que a maioria dos eleitores ignora e que chegará à Câmara dos Deputados sem compromisso com nenhum grupo representativo da sociedade. Livres, sem bases sociais que o cobrem, ficam livres para transformar o mandato em um balção de negócios em proveito próprio. Em 2006, ao receber quase 500 mil votos, Clodovil elegeu outro representante do PTC e tirou do Congresso concorrentes mais qualificados de outros partidos.


Íntegra do texto aqui.
S.

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