quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Trololó diplomático

Estava só esperando as viúvas do fascismo saírem do armário no caso do golpe em Honduras. De início, trataram o caso com discrição. Porém, conforme o tempo ia passando, o veneno começou a escorrer pela boca. E no momento em que o Brasil se envolveu diretamente no caso... Zás! Veio, enfim, o total e completo desprezo pelo pudor e pela honestidade. Se isso não fosse tão previsível eu diria que meus dons visionários estão bem aguçados.

Abaixo, trecho de uma reportagem de capa da revista mais vendida (no sentido de maior tiragem) do país. Imagino que a revista tenha em seus quadros jornalistas bem pagos e de ótima formação. Elementos que não impediram a revista de gastar tinta com isso:
O mais lógico seria deixar o retornado sob os cuidados dos amigos brasileiros até depois das eleições, que, se legítimas, convenceriam a comunidade internacional das intenções democráticas dos golpistas.
O final, mais uma vez:
...das intenções democráticas dos golpistas.

De novo, para que não restem dúvidas:
...das INTENÇÕES DEMOCRÁTICAS dos GOLPISTAS.

A revista mais comercializada do país publica isso sem medo de ser tachada de ridícula? Que espécie de leitores-zumbis ela espera alcançar com um jogo de palavras estapafúrdio? Já deveria estar claro para todos: nenhum golpe de estado é legítimo - venha ele da esquerda, da direita, do centro, de cima ou de baixo. O que justifica então o apoio cínico de diversos jornais e emissoras de TV, senão o interesse ideológico e financeiro? Parece que há golpes e golpes. Há golpes malignos de bufões vermelhos e golpes democráticos, daqueles que estão do lado certo. Que se danem os hondurenhos, suas histórias de vida e a lei, devem pensar. É uma briga de cachorro grande, em que os bichos mais à direta do canil fustigam aqueles mais à esquerda, e que hoje são maioria no continente americano.

Deve ser o primeiro caso de governo interino de intenções democráticas que sequestra um político em sua própria residência, expulsa o mesmo (de pijamas) do país, fecha empresas de comunicação, restringe as liberdades de circulação e de expressão, mata manifestantes, ataca embaixadas e dá ultimatos, como se possuísse moral pra isso. É doloroso ter que ler e ouvir pessoas querendo justificar o injustificável, fazendo contorcionismos verbais e se utilizando de trechos da Constituição hondurenha, selecionados e interpretados do modo mais conveniente, para nos convencer de que toda essa confusão foi criada em nome da ordem. Pouco adianta se o planeta inteiro condenou o golpe.


E como se faz isso? Da forma mais estúpida e novelesca possível. Escolhendo um demônio chavista já bastante ridicularizado e que, por ser caricato, pode ser mais facilmente assimilado pelos espectadores distraídos e pela classe média hipnotizada. E tudo se resume a isso. Escolhe-se um inimigo mortal, culpado por todos os problemas da região. E não se discute mais nada. Nada de contexto. Nada de embate de argumentos. É a velha disputa entre o bem e o mal, cozinhada nas redações de jornais e entregue na mesa dos brasileiros, que não precisam fazer nada, só engolir acriticamente o que dizem os colunistas iluminados e os especialistas de boteco. Método bastante utilizado por ninguém menos do que o Bush na época do 11 de setembro. Curioso que sempre ouvi dizerem que somente a esquerda fazia isso.

Todo esse trololó diplomático me trouxe a outra questão. Ao mesmo tempo em que a imprensa mundial tece elogios ao novo espaço que a nação (e não exatamente o governo, não confundamos) brasileira ocupa no cenário internacional, os órgãos da mídia tupiniquim insistem em bater na tecla de que somos um país atrasado, de bárbaros, sem força - um país nanico. Rodeado por países ainda piores. E que deveríamos ficar no lugar de sempre, ouvindo ordens de instituições externas, e do sempre confiável e bem-intencionado hemisfério norte. Como se a História não se reinventasse dia após dia. Como se o destino do Brasil fosse ser eternamente a colônia exótica cheia de mulheres atraentes. Seria cômico, se não fosse trágico.

É preciso observar que o país sempre foi o líder natural da América Latina. E com as transformações e o crescimento econômico da última década, é normal que passemos a ser ainda mais protagonistas de crises em países menores, como é o caso de Honduras. Se negar a esse papel é se conformar em ser um país de palermas, gigante territorialmente, mas com pouca voz nas decisões do planeta. Quem grita contra essa nova História (imprensa incluída), não grita de graça. Grita porque faz parte do círculo de poder que se vê ameaçado.

Ilustração: Latuff
S.

Um comentário:

Robson Fernando de Souza disse...

Sérgio, sem querer bajular, mas posso dizer que esse teu texto é uma verdade, ao meu ver, absoluta.

Sempre que vejo um texto de outrem de que eu gosto muito, posto no Consciência Efervescente. Assim sendo, desculpe a demora em publicar, mas está lá:
http://conscienciaefervescente.blogspot.com/2009/10/trololo-diplomatico-por-sergio-santos.html

Parabéns e obrigado por prover um texto tão bom =)

Abração