domingo, 24 de maio de 2009

Cutucões semânticos

Li duas matérias sobre "Garapa", o novo documentário do José Padilha, diretor de "Tropa de Elite". Uma no Diario de Pernambuco e outra na Veja. Estou ansioso para ver o filme, mas na verdade o que me chamou a atenção foi um detalhe das entrevistas. Talvez eu esteja encucando com uma bobagem, mas talvez eles de fato digam algo mais.

Costumo dar valor às palavras, seus significados e o modo de usá-las.

Além disso, é sabido que o simbolismo embutido em cada vocábulo que a gente lê ou escreve revela algo além do texto que está no papel (ou na tela do computador). Mesmo inconscientemente. Foi algo nesse sentido que me cutucou.

Às cutucadas, então:

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trecho da matéria do Diario
E o Bolsa Família é simples: fazer chegar R$ 50 às mãos de uma família. Até é possível otimizá-lo, mas exigiria que o Estado - no Brasil, incompetente por definição - administrasse um programa complexo.
trecho da matéria da Veja
O documentário começa também a virar uma peça na discussão sobre o Bolsa Família, já que Lúcia e Rosa mencionam que ele compõe a quase totalidade de sua renda – Robertina não o recebe por não ter certidão de nascimento nem qualquer outro documento. (Em entrevista a VEJA, o diretor argumentou que "o mérito do programa é ser simples; um mérito essencial, uma vez que ele é operacionalizado por um imbecil e incompetente – o estado".)
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Não sei se deu para pescar a minha nóia.

Os trechos têm como contexto declarações do Padilha sobre a presença do Bolsa Família na vida dos personagens retratados, que convivem diariamente com o assombro da fome.

Ao que parece, a entrevista à Veja foi exclusiva, o que não chega a alterar minha observação.

Pelo que se depreende do texto da revista, a declaração do diretor com a crítica ao estado foi pensada a ser escrita de um modo que ele (o estado) pudesse ser personificado. Como se os adjetivos "imbecil" e "incompetente" tivessem um destino oculto, que atende pelo nome de... (precisa dizer?). Desde o artigo "um", até o jogo de palavras, colocando o sujeito no fim da frase, a construção é meio malandra, quase com o intuito de dar um tempo para o leitor pensar no alvo.

Como eu disse, pode ser uma enorme nóia minha, eu posso ter visto cem quilos de simbolismo onde só havia dez gramas, mas convenhamos que um mundo sem nóia é muito sem graça.

E de coisa sem graça já basta a situação das famílias do filme.


S.

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