segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Aspas

"Mas aí está o desafio. Educar para a tolerância adultos que atiram uns nos outros por motivos étnicos e religiosos é tempo perdido. Tarde demais. A intolerância selvagem deve ser, portanto, combatida em suas raízes, através de uma educação constante que tenha início na mais tenra infância, antes que possa ser escrita em um livro, e antes que se torne uma casca comportamental espessa e dura demais."

- Umberto Eco
S.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Imobilidade

Todos têm direito a um automóvel. Todos têm o direito de serem infelizes no trânsito.
S.
S.

sábado, 18 de agosto de 2012

Reiniciar

S.

Assepsia

Autocontrole
por Antonio Prata

Faz mais ou menos um mês, ouvi uma mulher dizer que nunca iria a uma nutricionista gorda. Semanas depois, um amigo demonstrou preocupação ao descobrir que seu psicanalista fumava. Segundo eles, ao que parece, não pode cuidar da dieta ou da ansiedade alheia quem não controla os próprios impulsos. 

Ah, que época bunda-mole a nossa! Elegemos como principal virtude justo a mais medíocre: o autocontrole. Foi-se o tempo em que o herói era aquele capaz de romper as amarras sociais, morais, históricas. De enfrentar o mundo em nome de um ideal ou de dar um piparote nas sentinelas do superego em busca de seu eu profundo. 

O Super-Homem atual é o que, avaro com os prazeres, melhor consegue inserir-se nos escaninhos disponíveis do mundo. É um profissional bem-sucedido e com barriga de tanquinho. Seus feitos não serão medidos pelas marcas deixadas na história, mas pelo extrato da conta bancária e pela taxa de colesterol. 

Não falo de fora. Sou filho da época, também tento enquadrar-me neste anódino "zeitgeist", de sonhos tão mirrados como as cinturas de nossas divas: sou funcionário esforçado, corro na esteira, acredito nos poderes milagrosos da quinua. Quando ponho a cabeça no travesseiro, contudo, envergonho-me e lamento a grandeza perdida. 

Outrora buscávamos a nascente do Nilo, a verdade última das coisas, nos metíamos no mato sem cachorro, em mares nunca dantes navegados, nos entregávamos a amores e substâncias proibidas atrás de paraísos naturais ou artificiais. Agora, aqui estamos nós, usando 30 séculos de conhecimento acumulado para vender mais pasta de dentes, mais jornais, empenhados em descobrir como fazer dez arruelas ao custo de nove e receber uma promoção; aqui estamos nós, reinando sobre a natureza, mas comendo barrinhas de cereais. 

Onde foi que nós erramos? Em que beco escuro do século 20 um Mefisto chinfrim sussurrou em nossos ouvidos que alcançaríamos a vida eterna caso abríssemos mão de nossos corações em nome do "sistema cardiovascular"? Que bizarra inversão foi essa que nos fez acreditar que a função das comidas é facilitar o trabalho do sistema digestivo, e não que a função do sistema digestivo é lidar com nossas comidas? Desculpem por ser chulo, caro leitor, mas eis a ambição de nossa triste humanidade: fazer um cocô durinho. 

Veja, acho bom que haja campanhas contra o cigarro. Que o exercício físico venha se tornando um hábito mais e mais comum. A vida é curta e preciosa demais para que a atravessemos com pigarro e sem fôlego. Mas é curta e preciosa demais também para ser gasta nesta liberdade (auto) vigiada, em que o prazer e a poesia são drenados a cada dia pelos ralos da eficiência. 

Não creio em nada para além do último suspiro, mas ficção por ficção, sou mais Dionísio, São Francisco e Ogum do que esse culto desvairado pela bicicleta ergométrica, o Excel e a fenilalanina.
Bichos burros! Indo do berço ao túmulo agarrados às certezas mais tacanhas e permitindo-nos o mínimo de prazer, o grande legado de nossa época será belíssimos, saudabilíssimos cadáveres -injustiça, aliás, com as minhocas, que não estão preocupadas com o colesterol nem com suas anelídeas silhuetas. 
S.

domingo, 5 de agosto de 2012

Como es todo

S.

Ponto de divisão

Não tenho paciência alguma para a cobertura maniqueísta e espetaculosa com que a imprensa tem tratado o caso. Mas o texto é bom. E espero apenas ficar nesse. O resto é com o STF.

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Mensalão como paradigma da complexidade informativa [link]
Por Carlos Castilho, Do Observatório da Imprensa

O mensalão já é um divisor de águas na comunicação, independente do resultado do julgamento do STF. O processo é um caso típico de situação altamente complexa tratada de forma dicotômica pela imprensa e pelo marketing eleitoral dos partidos políticos. E seja qual for o desfecho, as sequelas vão mostrar qual o papel dos jornalistas na formação de uma nova cultura informativa no país.

O mensalão é um caso complexo tanto do ponto de vista legal como da ética e da institucionalidade. Ele não se limita ao caso de um ladrão comum sendo flagrado com dinheiro na cueca pela polícia. Envolve um sistema de financiamento de campanhas eleitorais existente há décadas no país, um esquema de superfaturamento de obras igualmente instalado há muito tempo e cumplicidades institucionais e financeiras difíceis de serem configuradas legalmente. Qualquer especialista em Direito sabe disto.

Mas desde que o caso estourou, em 2005, o mensalão e seus protagonistas foram submetidos pela imprensa e pelos políticos a um processo de simplificação para reduzi-lo a um fenômeno do bem contra o mal, como se fosse uma moeda com apenas duas caras. A simplificação visava facilitar as adesões a um lado ou outro. É o que acontece com quase todas as questões complexas numa sociedade que não está acostumada a lidar com problemas controversos.

Agora que o caso foi parar no Supremo Tribunal Federal, a maior corte de justiça do país ficou numa situação desconfortável porque acabou submetida a uma dupla pressão: a imposta pelo seu mandato institucional que exige uma abordagem complexa baseada nos princípios jurídicos, e um tratamento simplificado, imposto pela pressão da mídia, da opinião publica e dos políticos, por um veredito tipo culpado ou inocente.

É uma situação muito difícil a dos juízes do STF e uma evidência da responsabilidade da imprensa no desenvolvimento da percepção pública sobre fatos complexos. Se o critério da complexidade técnica levar os magistrados a absolvições, eles pagarão o preço da reação adversa da opinião pública. Caso se curvem ao poder dos holofotes e microfones, estarão pondo de lado o seu papel de árbitros e analistas de situações em que não existem apenas dois lados, duas versões.

O tribunal não pode abrir mão de sua missão institucional de analisar casos complexos usando critérios técnicos, obviamente também complexos. Se renunciar a isso, ficará claro que o processo jurídico brasileiro passou a depender dos humores da imprensa e dos formadores de opinião. As grandes decisões não serão tomadas mais por juízes, mas por marqueteiros. Mas para explicar uma decisão técnica à opinião publica, os juízes necessitarão da imprensa, hoje comprometida com a simplificação do caso.

Por aí fica fácil perceber o papel crucial dos jornalistas nesse episódio, no qual eles são ao mesmo tempo testemunhas e protagonistas. Testemunhas porque deveriam levar aos cidadãos as informações necessárias para que estes possam refletir sobre o caso da forma mais realista possível — ou seja, complexa. Mas, simultaneamente, são protagonistas ao simplificar o mensalão numa perspectiva dos bons contra os maus, ou da dicotomia culpado ou inocente.

Na verdade, poderíamos dizer que, em última análise, quem está sendo julgado no caso não são o ex-ministro José Dirceu e seus mensaleiros, mas também a própria imprensa.

Mais importante do que saber quem é culpado ou inocente é identificar por que e como o mensalão aconteceu. E isso é impossível com um julgamento simplificado. Só a avaliação de toda a complexidade do caso é que permitirá identificar as condições que permitiram o surgimento de uma estrutura paralela de financiamento político-eleitoral tão duradoura, ampla e tão sofisticada. É aí que a imprensa cumpre um papel insubstituível e é onde ela deve ser cobrada pelo público. Esta função é muito mais importante do que a briga pela primazia do furo na denúncia de escândalos.
S.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Carga

Os ultraotimistas acham que seremos o país do futuro, invevitavelmente. Aproveitam-se, então, do conforto de não precisar seguir, no tempo presente, os acordos de um país que pretende alcançar a plenitude da convivência. Agarram-se à lei da selva, à filosofia do "todo mundo faz", certos de que os humanóides do futuro farão a sua parte em uma sociedade, enfim, harmônica. Os excessivamente otimistas eximem-se de agir de modo sensato agora, enquanto reservam a tarefa aos que virão. Irmanam-se, de certa maneira, aos cínicos.

Os ultrapessimistas afirmam que somos disfuncionais de fábrica. Somos os mais desonestos, os mais grosseiros, os mais acomodados, os mais mal-educados seres da face da Terra. Não temos jeito, somos uns caipiras sem rumo. Tudo que é feito aqui, e por pessoas daqui, muito provavelmente dará errado. Não temos cultura, não gostamos de trabalhar, nossa gente é ignorante, e nunca conseguiremos emular os países que deram "certo". A teoria do país do futuro é, no fim das contas, uma piada de mal gosto. Os excessivamente pessimistas partem da ideia de que qualquer proposta de "conserto" da nossa sociedade é inútil. Preferem, confortavelmente, repousar em suas suas torres de arrogância.

De quanto tempo precisa um país para atingir a realização do progresso pleno, quando se tem tamanha carga em sentido contrário?
S.