Mais um aumento das passagens goela abaixo. E mais uma vez, tudo vai continuar do mesmo jeito, até que o próximo reajuste nos alcance. Mas, se nada muda, é preciso refletir sobre o que há de errado na atitude dos descontentes - ou seja, a maioria da população (inclusive aquela população que fica puta com os protestos). A minha linha de raciocínio, registre-se, não tem um suporte científico. As linhas dessa postagem vêm de uma percepção essencialmente particular. Por que nada muda? Por que o serviço só piora a cada ano? Quais cobranças não estão sendo feitas? Os protestos são manifestações profundamente legítimas, mas estão perdendo força. É preciso avançar, e buscar questionar o que a maioria deixa passar em brancas nuvens. Separei a reflexão em três pontos:
Juventude
Uma das maiores fatias de pessoas atingidas pelo aumento é feita de estudantes, de gente jovem, pessoas que normalmente têm não só disponibilidade, mas disposição para cobrar e questionar. Mas onde está essa parcela? Desconte-se o fato do reajuste malandramente ocorrer em janeiro (período de férias), quando muitos não estão na cidade. Mas é preciso se perguntar o por quê da juventude não só do Recife, mas desse país, se encontrar tão desmobilizada e tão despolitizada. Pelo contrário, tenho percebido que a juventude brasileira está, além de apática, se transformando em um assustador monstro feito de conservadorismo e mediocridade. E aí estão os ataques homofóbicos na Av. Paulista, a Mayara Petruso e os que pediram um tiro na cabeça da Dilma para comprovar. Hoje, a parcela mais jovem da nação não tem interesse por política, literatura, história, ou nada que a humanize. Está sim, interessada em virar uma subcelebridade qualquer, em discutir sobre as pendengas do reality show do momento, e em escrever bobagens na internet de maneira inconsequente. É preciso pensar uma forma de mobilizar esses zumbis, e de expor os jovens que questionam o status quo, para que sirvam de exemplo, pois eles também existem.
Mídia
Em uma sociedade midiatizada como a nossa, é impossível não considerar a relevância da imprensa em relação ao debate democrático. E nesse ponto, sejamos honestos, ela peca horrendamente. Focando exclusivamente sobre a questão das tarifas de ônibus, fica claro que a mídia precisa rever sua posição/abordagem. Os jornais e as emissoras de TV precisam entender que o conflito empresas de ônibus X manifestantes não pode ser resumido apenas a uma questão policial, e que os estudantes somente atrapalham o trânsito. Onde estão as matérias investigativas, sobre quem são os donos, e qual o faturamento das empresas? Há quanto tempo eles possuem licença para explorar esse serviço? Essas licenças ainda são válidas? Eu não sei, pois são informações criminosamente negadas à população. Até quando as pessoas terão que andar nessas carroças que o transporte público oferece? Ora, não é preciso ser nenhum Ph.D. para entender que, à medida que a tarifa do transporte público aumenta, e o serviço não melhora, mais e mais pessoas irão buscar formas alternativas de locomoção. E tome ruas mais cheias de carros e motos - e com isso, mais acidentes, mais poluição, mais estresse. Até o dia da paralisação total. E o governo, em tese, deveria ter gente especializada para evitar esse tipo de cenário apocalíptico. Se não há uma ação consciente do estado, cabe à imprensa cobrar esse tipo de atuação. Matérias sensacionalistas e do tipo Jornalismo-Espetáculo, com um minuto de duração, mostrando o trânsito parado, policiais na manifestação e estudantes entoando frases de efeito não colaboram em absolutamente nada.
Concessões
De cara, considero como algo bastante questionável a exploração privada do serviço de transporte público. O direito de ir e vir, assim garantem as leis, é essencial. Para que todo e qualquer cidadão desse país possa ter acesso aos hospitais, escolas, praças, museus, entre outros ambientes públicos, ele precisa, antes de mais nada, ter garantido o acesso a algum meio de transporte. Se esse direito é corrompido por qualquer motivo, todo o resto da estrutura é afetado. Não faz sentido submeter uma área fundamental para a cidadania, e para a própria urbanização das cidades, aos interesses inconfessáveis de uns poucos nababos, interessados em lucros obscenos, garantidos por um serviço do qual poucas pessoas podem prescindir. Isso é uma afronta ao bom senso. Para que servem as Secretarias e os Ministérios? Seria necessária uma completa reforma da regulamentação do transporte público, onde o estado investiria de forma pesada, podendo inclusive, estabelecer uma concorrência com os prestadores privados. Por incrível que pareça, falta capitalismo no négocio do transporte público. Sob meu ponto de vista, essa seria uma verdadeira revolução. Entretanto, para que isso aconteça, muitas verdades terão de ser trazidas à luz. Se seguirmos o dinheiro, veremos que muitas campanhas eleitorais (principalmente as municipais) são financiadas por... surpresa!, proprietários de empresas de ônibus. É por isso que a discussão precisa ser retirada dos gabinetes refrigerados e trazida para o asfalto, para que a população aponte o tipo de transporte público que deseja. Contudo, poucos têm se dedicado a pensar além da superfície, infelizmente. Vejo apenas ônibus quentes, lotados, e com alguns poucos balbuciando uma reclamação, de forma até meio envergonhada.
Repito, os protestos são legítimos, e é bom que eles aconteçam. Mas é desalentador descobrir que muitos dos que sofrem com o caos torcem o nariz para as manifestações, chegando a chamar os participantes de vagabundos e arruaceiros. Uma posição infeliz, de quem não entende que os protestos não têm um fim em si mesmo. Eles são parte de um problema maior, são consequência de um sistema viciado e corroído.
S.