terça-feira, 31 de março de 2009

O golpe terminou?

Há quatro décadas e meia, ocorreu o golpe de estado ("Revolução" é o cacete!) de 1964, que durou até 1985. Acabou mesmo? Sem querer soar paranoico ou chato, a impressão é que o país continua sangrando por causa das pancadas ditatoriais.

As consequências do golpe ainda são muito expressivas. É como se o Brasil ainda vivesse sob um estado de exceção, mais sutil, mais encoberto, só um pouco diferente. Mas que persiste. Personagens famosos da época continuam aí. Por exemplo, como é que um Sarney da vida, ainda hoje tem força política para ser presidente do Senado? Como é que a Rede Globo, veículo da imprensa mais beneficiado pelo período (com direito a ajuda estrangeira ilegal), ainda tem a influência que tem? Quarenta e cinco anos depois, e as emissoras de TV ainda não conseguem chegar perto da estrutura globífera, um claro reflexo dos anos de chumbo. A Folha de São Paulo, que chegou a emprestar Kombis para os militares levarem presos políticos, continua sendo um dos jornais de maior tiragem.

A ditadura política se misturou com uma ditadura econômica, em que o dinheiro se sobrepõe a qualquer valor humano. Com a queda do muro de Berlim, caíram junto utopias. O que importa é se dar bem. Quem se importa com o interesse público? Fuck the poor, como diria o Senado romano no filme História do Mundo, de Mel Brooks. A lei é a competição. A lei é a do cão. A censura sobrevive, camuflada. Alguém imagina um jornalista com liberdade para dizer, em qualquer grande espaço da mídia (TV, jornais ou revistas) que o ex-vice-presidente dos Estados Unidos fez fortuna com a invasão do Iraque? Ou que Israel realizou um massacre em Gaza? Ou que o Daniel Dantas é um criminoso? Ou que o volume de dinheiro reservado para pagar a dívida é uma ofensa aos brasileiros? Só há espaço para o pensamento único, como se qualquer tipo de debate fosse um incômodo. Temos uma imprensa fraca, submissa, corrupta, de certa forma antipatriótica. A censura se dá pela grana, e não somente pela ideologia. O melhor modo de não ser incomodado ou investigado pela imprensa é sendo um grande anunciante.

A anistia geral mostrou-se equivocada. Não sei se por covardia ou por causa do famigerado "cordialismo" brasileiro, a opção foi não punir ninguém, como se fosse possível apagar a História. Por essa razão hoje temos que conviver com torturadores livres e despreocupados. Somos obrigados a engolir o cinismo dos selvagens de ontem, que chegam ao disparate de celebrar o golpe, em um absoluto desrespeito ao país. Países sul-americanos, como Argentina e Chile, condenaram os principais responsáveis pelas mortes e desaparecimentos políticos. Isso não é revanchismo ou vingança. É um dispositivo legal, democrático e constitucional. Para familiares que perderam entes queridos, uma oferta de conforto e de justiça. Para o país, é uma garantia de que algo semelhante não se repita. É uma oportunidade de refletir sobre a História da nação, para que ela não seja esquecida. É uma pena que o Brasil não tenha seguido essa alternativa. Fica a esperança de que, um dia, o golpe termine de fato.


Atualização:
S.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Brilhantismo turvo (ou Crepúsculo dos Deuses)

Fernando Henrique Cardoso, a Norma Desmond da política brasileira, gosta de falar. Às vezes dá a impressão de que resolveu brincar com o coleguinha Gilmar Mendes, como se tivessem iniciado uma aposta para ver quem fala mais. Só que, ao contrário do que afirmava o Chacrinha, quem se comunica demais também pode acabar se trumbicando. Aliás, tá pra aparecer ex-presidente mais falastrão.

Em uma entrevista, o FHC dedicou ao Daniel Dantas, o banqueiro mais famoso e enrolado do Brasil, a singela qualificação: "Brilhante". Novamente. Para FHC, ex-presidente, um criminoso JÁ condenado a dez anos de prisão por tentativa de suborno a um delegado da Polícia Federal é uma pessoa "brilhante". E o Dantas ainda nem recebeu todas as condenações. Não sei porque, mas fiquei curioso para saber o que ele acha do Fernandinho Beira-Mar, que além de criminoso, é xará. Talvez a sorte do FHC (e o azar dos humoristas) é que ele é sociólogo, e não formado em Direito. Porque se fosse, não ia demorar nada para ele ser qualificado de advogado do diabo.

Para não restar dúvida:


Pra completar o quadro, ainda tem essa:

da Folha Online
A Folha informa que Dantas e o banco Opportunity não têm doações oficiais para campanhas eleitorais desde 2002, diretamente em seus nomes, embora um alto executivo do banco, Dório Ferman, tenha feito doações que somam R$ 14 mil aos deputados Marcelo Itagiba (PMDB-RJ) e Raul Jungmann (PPS-PE).

Uia!!

Um é o presidente da CPI que deveria investigar as falcatruas do banqueiro-criminoso, e o outro é aquele gosta de posar de... íntegro???

Não tem artista dadaísta comparável ao Brasil.
S.

Assim também

Mais duas indicações. Agora um blog e um site.

Recomendo a brandura do blog A brincadeira, que tem a Carol, amiga de tempos cada vez mais longínquos e saudosos, como uma das escrevinhadoras oficiais. Menciono a brandura, mas poderia usar também o verbete densidade. Parecem antônimos? Bem, a escrita das autoras demonstra que definitivamente os dois valores podem andar muito bem juntos.

O site, por sua vez, é o Donos da Mídia, uma grandiosa compilação dos dados referentes à Comunicação Social do país e sobre os proprietários de todas as empresas de radiodifusão. Lá é possível ver quem é o dono daquela rádio que só toca propaganda ou músicas que causam úlcera. É possível ver também quem comanda a emissora de TV que exibe aquele programa do tipo cemitério, cheio de cadáveres, em plena hora do almoço. A grosso modo pode ser visto como algo para um público mais específico, mas é importante que se diga que a Comunicação deve ser encarada como um direito universal, como a saúde e a educação. E é assim que os principais profissionais da área a definem. Até porque informação é uma arma. Informação é poder.
S.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Coisas assim

Quando digo que prefiro a internet como meio de informação, é porque encontro análises como essa, essa e essa. E isso são só umas gotinhas. Enquanto isso a imprensa perde tempo investigando investigador. Sem provas.

Além dessas, recomendo esse artigo impagável do Urariano Mota. Uma bela peça jornalística que esvazia ainda mais o depoimento "bombástico" de Jarbas. Na entrevista o parlamentar disse o seguinte:

"Há um restaurante que eu frequento há mais de trinta anos no bairro de Brasília Teimosa, no Recife. Na semana passada cheguei lá e não encontrei o garçom que sempre me atendeu. Perguntei ao gerente e descobri que ele conseguiu uma bolsa para ele e outra para o filho e desistiu de trabalhar. Esse é um retrato do Bolsa Família."

A típica conversa mole de que o Bolsa Família estaria formando uma geração de preguiçosos. O típico argumento de uma oposição sem argumentos. Além de preconceituoso.

Dessa forma, o Urariano resolveu procurar o tal restaurante. Pauta investigativa para todos os jornalões do país, em especial os jornais locais, que provavelmente decidiram que o assunto é desimportante. Ou vai ver bateu preguiça. O resultado da busca é o artigo. O texto completo pode ser lido apenas na revista, mas o que está publicado dá uma boa ideia da saga do bravo jornalista.


Garçom, procura-se
por Urariano Mota, na Carta Capital

Brasília Teimosa é um bairro do Recife que sempre lembrou paradoxos. Nascida na Zona Sul da cidade, em terras valorizadas, foi construída por invasões de pescadores, sem teto e demais pessoas pobres. Tendo o nome de Brasília, adaptou a sua arquitetura pelo adjetivo, Teimosa, porque jamais seus casebres foram as linhas curvas de Niemeyer. Eram, antes, linhas de fuga, para que os moradores fugissem das prisões da polícia. Hoje, a Brasília Teimosa está urbanizada, tem a praia repleta de beleza e restaurantes. Antigos moradores que moravam em palafitas, a realizar o ciclo de Josué de Castro, caranguejo comido pelo homem vira fezes que alimentam caranguejo, estão agora em conjuntos habitacionais. Mas Brasilia Teimosa continua a ser mãe e pátria de paradoxais caranguejos.

O último deles foi a entrevista do senador Jarbas Vasconcelos ao semanário onde o Brasil é uma pauta. Nela, na entrevista, na revista e pauta, foi mencionado um garçom que de posse de duas Bolsas Família desistira de trabalhar. Isso porque, é claro, estaria em melhor situação, como se estivesse a cantar em redes ao balanço, “pois vivo na malandragem, e vida melhor não há”. Com o breque: não sei o que será. Então por isso fui. Fui a campo, ao mangue, à praia, a Brasília Teimosa, ao vizinho bairro do Pina, à procura dos bares frequentados pelo senador nos “últimos 30 anos”.

Continua aqui.
S.

Da parte de lá

Foi só falar da crença no algo mais para que um episódio bem mundano me empurrasse para uma reflexão sobre essa tal força.

E o post abaixo vai nesse pacote.
S.

Lapso

Sob o sujo e alaranjado facho de luz
O desconhecido, sem rumo
Sem rosto.

E meu lamento,
pela amargura absorto
Pode apenas pedir, perdão
em silêncio
Que nunca mais tome corpo igual tormento.
S.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Fevereiro de grandes espetáculos

Finalmente, após várias tentativas de extinguir a minha paciência, o computador daqui de casa cedeu, e, aparentemente, voltou à normalidade. Os dois, computador e eu, passamos bem. Não sei quem esteve mais próximo de um colapso. No meio do calvário, peguei uma virose. O computador, pelo que se sabe, contraiu a bactéria da frescurite.

E porquê o chororô-ciber-internético? Porque a internet é atualmente meu principal meio de informação e de articulação. Aliás, o de muita gente hoje em dia. Nessas horas percebemos com maior clareza o pendor revolucionário da internet, que pode ser uma aliada poderosa se utilizada de maneira decente. Ficar praticamente um mês sem nenhum acesso, sem planejamento ou predisposição para tal não é agradável. Depender apenas do que me diz os telejornais e uma leitura "recreativa" de uma revista como a Veja é menos agradável ainda. Ainda mais em um mês como o que passou, que além do Carnaval, reservou outros acontecimentos circenses como o dinossáurico senhor feudal do Maranhão voltando a ser empossado em um cargo estratégico, até o Jarbas dando uma de paladino da moralidade.

Aliás, o que foi aquela entrevista? O PMDB é corrupto? É nada! O Sarney é um símbolo do atraso? É nada! O nobre (!) senador pernambucano destila uma série de obviedades e de repente é o novo Pedro Collor? Faça-me o favor! Nem para dar nome aos bois a entrevista serviu. Tudo bem que escrevo com bastante atraso sobre o assunto, mas creio que eu esteja fazendo isso justamente em razão do vazio das declarações. Se a entrevista fosse realmente bombástica eu provavelmente estaria falando das consequências do ato. O que ficou no ar foi a impressão de que o Jarbas virou um mero rapaz de recado da ala demo-serrista-fhcista, e que o momento das declarações foi calculado. Resultado: não demorou mais que dois dias para a blogosfera esvaziar as declarações do senador, que, convenhamos, de santo não tem nada. Dizem até que se as obras do Aeroporto e da BR-232 falassem ia chover sangue. Pra finalizar, como prova de quão democrata é o senador, credita-se a demissão de um jornalista do Jornal do Commercio com 22 anos de serviços prestados ao jornal, à insatisfação de Jarbas. O jornalista Inaldo Sampaio aparentemente não se alimentava do prato jarbista e foi mandando embora pelo próprio dono do jornal, amigão do senador.

E o Sarney? O que mais falar do Sarney? O que chama a atenção é o total desprezo dos senadores pelo país. O Sarney disse para quem quisesse ouvir que as propostas dele não eram de moralizar a casa, e sim de garantir a boquinha para todo mundo. O que os parlamentares fazem? Elegem o Sarney, é claro. O Sarney não é só um senhor feudal. É o simbolo de uma política que os brasileiros precisam se dedicar a destruir. É como uma infecção. Não dá apenas para olhar e dizer que é nocivo. É preciso dedicação para que ele seja defenestrado e não volte mais.

Já em março, pegando o embalo dos espetáculos de fevereiro, a Veja, provavelmente entediada, resolveu dedicar mais uma capa para fazer o poste mijar no cachorro. É uma bomba sem pólvora. É apenas um requentado criminoso, uma vez que publica informações sigilosas, para servir a uma CPI de chantagens que caminhava de modo deprimente para a cova. A comissão, inclusive, conseguiu o feito de não indiciar ninguém. A reportagem tem como finalidade servir ao bando de Dantas. Porém, a estratégia de bater no delegado e nos investigadores é tão estúpida que, como já se diz pela internet, estão fazendo do Protógenes um verdadeiro mártir, cada vez mais conhecido e apoiado.

O Gilmar Mendes continua gagá.

A Igreja, continua precisando se olhar no espelho. Na verdade, o problema da Igreja, como instituição, é que ela ainda existe. Não há problema na religiosidade, na espiritualidade. Pelo contrário, nesse mundo infernal, a fé no "algo-mais" é muitas vezes necessária. O problema é a instituição, criada pelos homens. Curioso e bastante simbólico o caso da excomunhão. A mãe e os médicos não merecem mais o céu, mas o estuprador tem o acesso ao paraíso garantido. Se isso não é o bastante para questionar os métodos da Igreja, eu não sei mais o que é. Aliás, quantas crianças são estupradas e esses "religiosos" não abrem a boca para falar nada? É o desejo de aparecer em rede nacional?

Para não ficar pra trás no mês, a Folha de São Paulo, mais precisamente o seu editor, o Otávio Frias Filho, resolveu chutar o pau da barraca e tirou a máscara. Em um editorial, chamou a ditadura brasileira de "ditabranda". Só faltou mandar fechar o Congresso e decretar um novo AI-5. Teve que engolir quase 2 mil cancelamentos de assinatura e uma manifestação com cerca de 400 pessoas do Movimento dos Sem-Mídia (MSM) e de familiares de desaparecidos políticos na frente do prédio do jornal.

Antes que eu me esqueça. Obrigado Cabo Mais, por nada. E parabéns por ter, provavelmente, o pior serviço técnico do país. Vou não-recomendar a todos.

É um post bem ranzinza e até meio vagaba, eu sei. Peço, portanto, aos queridíssimos cinco leitores do blog que considerem o fator válvula-de-escape depois do tempo sem publicar nada, e a casmurrice, que além do cinismo, também é um elemento bem-vindo nesse espaço. Afinal, para toda postagem como essa, há um filme da Disney para fazer o contraponto.
S.